Festa de Nossa Senhora da Atalaia

A Festa da Atalaia realiza-se no último domingo do mês de agosto e estende-se por todo o distrito de Setúbal. Os Círios são os que mantêm viva a tradição, perpetuando os seus rituais. A música é um elemento fundamental nesta Festa, tanto nos preparativos como no dia propriamente dito, com grupos que tocam gaita-de-foles e bombos ou os famosos cavalinhos que acompanham os Círios na procissão.

Aníbal de Sousa, com a colaboração de A. Macau, explica as tradições subjacente à Festa da Senhora da Atalaia no Linha do Sul, Boletim da Coopinhal: “Todos os anos no último Domingo de agosto, quando nos campos pouco mais se espera que o amadurecer das uvas, a tradição cumpre-se na peregrinação alegre mas misteriosa que é a Festa da Atalaia.

Os preparativos começam alguns meses antes da romagem, com peditórios pelos campos reparações nas casas dos Círios na Atalaia. Os peditórios eram, em tempos idos, por si só um prólogo de festa. Grupos de músicos, exibindo as principais bandeiras dos Círios, percorriam os campos recolhendo nas ‘saquinhas’ donativos para a festa. A música era dominada pelo som estridente da gaita-de-foles e pelo rufar determinado do bombo. O percurso desses grupos era assinalado pelos inevitáveis foguetes e, à noite, a sua presença era disputada, pois na casa de quem pernoitassem haveria bailarico até às tantas.

Apesar da erosão que os tempos inevitavelmente produzem nas tradições populares a Festa da Atalaia, com os seus rituais e a sua magia, tem ainda raízes muito profundas entre as populações camponesas do trajeto imaginário que se estende da Azóia à Quinta do Anjo, Pinhal Novo (Olhos de Água, Carregueira), Jardia e se prolonga pelo Alto Estanqueiro às regiões de Montijo, Alcochete e Pegões. Conhecem-se, ainda, grupos de peregrinos dispersos, nomeadamente de Setúbal, Azeitão, Lisboa, Vila Franca de Xira, etc.

À primeira vista os Círios não se distinguem uns dos outros. No entanto, cada um tem as suas originalidades, as suas tradições e a sua orgânica própria.

Na origem de todos eles haverá uma longínqua promessa coletiva à ‘Senhora da Atalaia’; um pedido de proteção contra secas ou inundações, contra epidemias, guerras ou outras catástrofes.

Hoje em dia, por detrás de cada um das bandeiras dos Círios há, seguramente, promessas individuais que, já nada tendo que ver com a antiga tradição, não parecem, contudo, corrompe-la.

Por Círio, na Festa da Atalaia, não se entende só a vela que se queima nos altares ou a procissão dos peregrinos, como rezam os dicionários. Os Círios da Atalaia são verdadeiras associações populares com Corpos Gerentes, cotizações e regulamentos internos. Cada Círio tem, além disso, na Atalaia, instalações próprias que, tirando o caso do Círio Novo, que tem um cinema a funcionar na sua Sede, são utilizadas apenas na altura da Festa e, eventualmente, na Quinta Feira de Ascensão. É nas suas Sedes que os sócios dos Círios, com os seus familiares e amigos fazem a sua festa. Aí abancam em intermináveis refeições e dançam em bailes que só são interrompidos para a procissão e queima dos foguetes da promessa e para a arrematação das bandeiras.

E é, justamente, nesta operação que reside o curioso mecanismo que faz perpetuar a festa, pois os arrematadores das bandeiras têm de garantir a peregrinação do ano seguinte.

O Círio da Azóia é reconhecido, entre os atuais, como o mais antigo da Atalaia e, nessa qualidade abre a chamada ‘Procissão da Igreja’, na qual se incorpora também o Círio da Quinta do Anjo, cuja fundação deverá remontar a 1780.

Na tarde do último Domingo de agosto a ‘Procissão da Igreja’ inicia o seu percurso que a há-de levar, descendo à rua principal, ao Cruzeiro e daí de novo à Igreja. Nesse preciso momento, sai da sua Sede o Círio da Carregueira que, em procissão independente se antecipa e é o primeiro a chegar ao Cruzeiro a que dá 3 voltas enquanto se queimam os foguetes da promessa. Terminada esta cerimónia, o Círio da Carregueira, regressa à sua Sede, desta vez passando à porta da Igreja, para não cruzar com a procissão dos Círios de Azóia e Quinta do Anjo que marcham atrás de si e que, por sua vez, completarão, a seguir, o seu percurso. Regressado o Círio da Carregueira à sua Sede, inicia-se a procissão do Círio dos Olhos de Água, que cumprirá um ritual idêntico, seguindo-se o Círio Novo que fará o mesmo. Na segunda-feira de manhã toda a gente vai à ‘Fonte da Senhora’ fazer uma lavagem ritual que garantirá proteção até ao ano seguinte. E lá para o fim da tarde, já de regresso a casa, os Círios da Carregueira e dos Olhos de Água param em pinhal Novo e, um de cada vez (os Círios não se misturam) dão três voltas à capela com o que, praticamente, se encerra a Festa.

As procissões dos Círios exalam todas elas muito mais um ar de festa do que de piedoso sacrifício, apesar das ‘marchas graves’ tocadas pelos ‘cavalinhos’ que as acompanham. Um ‘cavalinho’ é um grupo de músicos de uma banda reunido normalmente para animar festas com repertório aligeirado. ‘Cavalinho’ celebrado na festa da Atalaia é o da Banda da SFUA de Pinhal Novo que costuma acompanhar as procissões dos Círios da Carregueira, dos Olhos de Água e do Círio Novo, numa autêntica maratona de três voltas à Atalaia e ainda tem força para, quando é preciso, dar um toque de animação nas Sedes dos Círios.

Aparentemente, pelo menos, a Igreja enquadra a procissão dos Círios da Azóia e Quinta do Anjo. Quanto às outras, parece assistir impávida e serena à sua passagem, mas diz-se que, seguramente, não o faz com bons olhos.

Com o que terão de positivo e negativo e, no que diz respeito a Pinhal Novo pelo menos, os Círios da Carregueira e dos olhos de Água são, por certo, os elementos etnográficos mais marcantes e mais autênticos desta região. Analisá-los com algum cuidado será contribuir para uma melhor compreensão dos valores tradicionais das nossas gentes para com mais segurança se definirem os nossos horizontes culturais.

 

Notas:

A tradição dos Círios da Atalaia poderá estar ligada a outras tradições como a da ‘Senhora do Cabo’ (Espichel) ou a de São Luís do Monte.

Testemunhos apontam o Círio do Beato (Lisboa) como o mais antigo de todos. Esse Círio, que já não vem à Atalaia, fazia o seu caminho de Lisboa de barco.

O Círio Novo foi fundado em 1945 a partir de um desentendimento no Círio da Carregueira.”

 

Sousa, Aníbal de & A. Macau (1982). “Festa da Atalaia: uma tradição curiosa”. Linha do Sul: Boletim da COPOP - Cooperativa de Consumo Popular Pinhalnovense, SCARL, 2. Palmela, pp. 1 e 5.

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