Transcrição da notícia: A estreia do Orfeão de Valadares foi auspiciosíssima, sendo delirantemente ovacionado este novo grupo coral. – Ligeiras notas da sua primeira festa.
Por uma noite de Abril do ano de 1927, á saída do ‘Club dos Mocavencos’, na ridente freguesia de Valadares, do vizinho concelho de Gaia, três homens – três temperamentos de artistas – resolveram crear naquela terra um orfeão. A empreza era ousada, mas eles, seguindo o provérbio latino ‘audaces fortuna juvat’, puzeram mãos á obra.
Esses homnes – o dr. Angelo Gandra, medico ilustre, Aquino de Souza e Cunha, professor distinto, e Amadeu Santos, outro distinto pedagogo que alia a essa qualidade a de ser um músico proficiente – solicitaram o auxílio dos srs. Bernardino Costa, Alexandre Marta da Cruz , rev. Padre Manuel, abade da freguesia, e Manuel Alves dos Reis Júnior, para a conclusão da obra.
E, conjugados os esforços destas sete creaturas, o Orfeão fez-se.
Os executantes surgiram. Cinquenta, setenta, oitenta cantores apareceram rapidamente. Os ensaios, sob a direcção de Amadeu Santos, principiaram. E ainda sem um ano de vida, o Orfeão de Valadares apresentou-.se em publico – no passado domingo. A estreia foi auspiciosissima.
O elegante Cine-Teatro Eduardo Brazão – um dos notáveis melhoramentos daquela freguezia – teve duas colossais enchentes.
Sim, porque foram dois os espectáculos.
Caras lindas de senhoras pejavam os camarotes e enchiam os logares da plateia.
Quando o pano se abriu e á luz da ribalta apareceu o conjuncto artistico que se estreava, os aplausos reboaram. Eram unanimes e foram longos.
Feiro silencio – o silencio das grandes ocasioes . o sr. dr. Angelo Gandra apresentou á assistência o sr. Armando Leça, compositor insigne e autor de tantas canções genuinamente portuguesas que os nossos orfeões cantam.
Sua ex.ª lê um discurso, apresentando oficialmente o Orfeão de Valadares, fazendo a histotria da música e definindo o caracter dela nas várias terras de Portugal. Prendeu a assistência com a sua brilhante oração, colhendo no fim fartos aplausos.
O nosso colega e distinto caricaturista Octávio Sérgio usou também da palavra, saudando o orfeão e o seu regente, sendo muito aplaudido.
‘Montanhez’, de A. Roland, foi a primeira canção a ser executada. A assistência, no final, ficou entusiasmada. O delírio foi crescendo na canção do ‘Ribeirinho’, de T. Borba, na ‘Canção Nostálgica’, de A. Leça. E atingiu o rubro na ‘Viola Aldeã’, de A. Valentim, e ‘Luar do Sertão’, de C. Ramos, sendo bisada a ‘Viola Aldeã’.
Estava terminada a primeira parte.
O corpo scenico do Orfeão, sob a direcção artística de José M. Bastos Junior, representou a comedia ‘Uma teima’ e o fino episodio do distinto escritor dr. Júlio Dantas, ‘1023’, sendo fartamente ovacionado.
Sem desprimor para qualquer outro componente, seja-nos licito destacar o trabalho consciencioso de Edgar Mendes, no cauteleiro de ‘1023’. Parecia um artista.
Na 3.ª parte, o novel poeta sr. Parente de Figueiredo, focou em primorosos versos da sua lavra, as qualidades de cada um dos organisadores do Orfeão, pelo que foi muito aplaudido.
De seguida o conjuncto coral executou as primorosas canções ‘Morena’, de J. Mineiro, ‘Canção dio linhio’, de T. Borba, ‘Vento de Outono’, de F. Root, ‘Rapsodia’, de A. Joyce, e ‘Portugal é lindo’, de A. Leça.
No final de cada canção, os aplausos – fortes e demorados – ouviam-se.
A pedido insistente da assistência, foi executada ainda a canção ‘Zé Pereira’ e trizada a ‘Viola Aldeã’.
Na bandeira do Orfeão – de seda branca, com o escudo bordado – foram colocados laços oferecidos pelos Orfeões Marcos Portugal e da Madalena, tendo feito discursos os representantes destas colectividades e do Orfeão Académico do Porto.
A Amadeu Santos foi oferecida, pelos componentes do Orfeão em festa, uma artística batuta, oferta que o sensibilizou devéras.
Igualmente se apresentou em público pela primeira vez um ‘Oiteto-Jazz’, anexo ao Orfeão, sob a regência do maestro João Alves Tavares, e do qual faz parte o exímio violinista Manuel da Fonte.
Este grupo musical foi também muito aplaudido pela execução esmerada que deu aos trechos selectos que tocou.
Além dos orfeões acima citados, achavam-se representados os de Espinho, Castro Araújo, de Lordelo de Paredes, e Lusitano, do Porto.
No final do espectáculo da tarde foi oferecido aos convidados uma taça de Champagne, que serviu de motivo para calorosos brindes, não sendo esquecida a imprensa.
Em nome do ‘Jornal de Notícias’, falou o nosso representante, que saudou o Orfeão de Valadares e agradeceu as deferencias havidas, tendo usado também da palavra os nossos colegas Gaspar de Matos e Ernesto Varzea (Balmaceda).
Octavio Sergio falou também, em nome da imprensa, bem como um representante do jornal ‘Orfeu’.
Á noite, como já dissemos, repetiu-se o mesmo espectaculo, sendo os aplausos delirantes,
O nosso colega sr. Octavio Sergio, fez também uma brilhantíssima conferência, prendendo a atenção do público, durante quasi uma hora, e recebendo no final fartos e prolongados aplausos.
Foi, enfim, uma estreia auspiciosa a do Orfeão de Valadares. E, servindo-nos da frase gravada na sua bandeira, diremos: - Eia ávante!".