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Isabel Silvestre

Isabel Silvestre é uma cantora cujo percurso artístico começou em 1961 com a participação no primeiro disco single do grupo folclórico da aldeia: o Rancho Regional de Manhouce. Contudo, não foi ainda com esta edição que a voz de Isabel Silvestre obteve o reconhecimento do público. Tal só virá a acontecer na década de 1980, quando o Grupo Etnográfico de Cantares e Trajes de Manhouce (1980-2000), que presidiu e ajudou a fundar. Esse grupo circunscreveu as suas representações ao repertório musical e ao modo de vestir da área geográfica da aldeia. A rejeição das coreografias, a centralidade dada à voz e às competências femininas do cantar a vozes (polifonias em movimento paralelo), o modo de vestir dos seus elementos, e uma performance centrada na veiculação das ideias de autenticidade e antiguidade, foram elementos que operaram diferenças significativas no campo social da  folclorização.  Desde os primeiros anos da sua fundação que o grupo, e a voz de Isabel Silvestre em particular, conquistaram palcos e públicos diversificados. Mário Martins, produtor da editora EMI-Valentim de Carvalho, foi o responsável pelo contrato de exclusividade do grupo e da sua solista com essa empresa multinacional e pela edição de discos que acumularam êxitos de vendas: em 1982, o LP Cantares da Beira; em 1984, o L P Aboio; em 1985 o L P Cânticos Religiosos; em 1991 o L P Vozes da Terra e a reedição em C D de Cantares da Beira. Nesta transposição de práticas performativas do quotidiano rural para os palcos e a indústria do disco, ocorreram inevitáveis transformações.

As qualidades vocais e expressivas de Isabel Silvestre despertaram, desde as primeiras actuações do Grupo, a atenção dos media e da indústria do espectáculo e discográfica. No seio da sua família, assim como outras mulheres em Manhouce, fora instruída pela sua mãe e tias para ter uma “rica fala” e, assim, reunir mais um atributo reconhecido na aldeia como dote feminino. Possuidora de  uma voz plástica (capaz de diferentes nuances tímbricas) e invulgarmente expressiva (levando frequentemente o público a estados de forte comoção), conquistou públicos e a imprensa. Foi este conjunto de características e representações que determinou a abertura da sua carreira a novas abordagens musicais. Depois de oito anos a representar em palco práticas musicais que ganharam sentido (e foram valorizadas) na sua circunscrição à ruralidade, para um público português (residente em Portugal ou no estrangeiro), Isabel Silvestre começou, a partir de 1988, a carreira a solo, integrando espectáculos e efectuando gravações dirigidos a novos e mais alargados públicos.

A primeira actuação fora do campo da folclorização deu-se em 1988, na cidade de Toronto, no Canadá e depois em Dusseldorf, na Alemanha, ao lado do músico português Rão Kyao.  Logo de seguida, foi convidada pela The Brazilian Cultural Foundation para, com Rão Kyao, o guitarrista António Chaiinho, a cantora brasileira Gal Costa, entre outros artistas, integrar um espectáculo no âmbito das comemorações dos descobrimentos portugueses, realizado no Lincoln Center, de Nova Iorque. Nestas apresentações, Isabel Silvestre vestiu o traje de Manhouce e cantou o repertório do Grupo Etnográfico de Cantares e Trajes de Manhouce. No ano seguinte, Isabel Silvestre gravou a faixa “Canto do Vouga”, uma composição de Rão Kyao sobre versos do poeta António Correia de Oliveira (natural de S. Pedro do Sul, sede do concelho que integra Manhouce), no fonograma Viagens da Minha Terra. Esta primeira  incursão fora do repertório “de Manhouce” fez-se timidamente, através de referentes à geografia de implantação da aldeia (quer na naturalidade do poeta, quer no tema "região do Vouga” representado na poesia). Mas foi em 1992, com a participação na faixa “Pronúncia do Norte” do disco do grupo de rock GNR, intitulado Rock in rio Douro, ao lado do cantor Rui Reininho, que Isabel Silvestre potenciou as representações rurais, agora de todo “o norte” (e não só “de Manhouce”), junto do público da pop/rock. O espectáculo realizado no estádio de Alvalade, reuniu 40 mil espectadores da pop/rock que aplaudiram intensamente Isabel Silvestre. Neste espectáculo, Isabel Silvestre transplanta para o contexto da pop/rock os ingredientes que definiam a sua performance no contexto do Grupo de Cantares de Manhouce, designadamente, o timbre vocal, o modo de cantar e o modo de vestir, apresentando-se coberta de ouro, com o traje negro de Manhouce. Em 1993, foi eleita “mulher do ano” pela revista de moda Marie Claire, devido ao seu percurso artístico ao longo do ano anterior, com particular destaque para o “inesperado e magnífico encontro” entre Isabel Silvestre e o grupo GNR[1]. No ano seguinte, colaborou no disco de homenagem ao cantutor António Variações juntamente com grupos e cantautores como os Mão Morta, Três Tristes Tigres, Resistência, Sitiados, Madredeus, Sérgio Godinho, Santos e Pecadores, Delfins, e Ritual Tejo. Dois anos depois, iniciou nova parceria, agora, com o compositor João Gil. Neste projecto, abandonou o traje “de Manhouce” e alargou o repertório incluindo no primeiro dos dois CD editados o hino nacional - A Portuguesa[2]. O abandono do traje de Manhouce fez-se pela substituição do vestido negro, modo de vestir que fora transformado numa convenção do fado, em finais dos anos 1950, por Amália Rodrigues (Nery 2004). A adopção deste modo de vestir característico das vozes femininas do fado correlaciona-se com o alargamento do repertório do universo rural ao urbano. Apesar do alargamento de registo, Isabel Silvestre continuava a veicular, em finais dos anos 1990, para os seus fãs e para os media, representações de uma suposta autenticidade exclusiva do feminino e do mundo rural.   

No percurso a solo de Isabel Silvestre observa-se uma tentativa de conciliação de elementos rurais e urbanos, uma certa hibridização entre a voz (com vozes em 3ªs e 5ªs paralelas sobrepostas em estúdio) e repertórios, que evocam a ruralidade e o passado, por um lado, e as composições ou arranjos, os instrumentos, músicos e estilos musicais que contrapõem o tempo contemporâneo e o contexto urbano, por outro. Neste projecto, o mundo rural imaginado como autêntico e intemporal, já não foi o único referente mas continuou a servir de cenário ao universo onírico que se criou em palco, assegurando o valor estético das performances.

 

[1] Correspondente (1993) “Manhouce Isabel Silvestre entre as mulheres do ano 1992” Gazeta da Beira. Nº 189: p. 10.

[2] O segundo CD, intitulado Eu, com arranjos de Mário Barrela Delgado, surgiu dois anos depois e contou com diferentes faixas, desde a conhecida canção “Asa Branca” do brasileiro Luís Gonzaga, a canções de cantautores com estilos tão diferentes como José Afonso ou António Variações, a canções popularizadas no santuário de Fátima, uma canção do repertório do Grupo Etnográfico de Cantares e Trajes de Manhouce, ou o hino nacional português.

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