Vergílio José Gaspar Pereira (n. Vilela, Paredes, 7 Out.1900; m. Porto, 24 Set. 1965). Foi etnógrafo, regente de coros, professor do ensino primário e compositor. Iniciou a aprendizagem musical com o seu pai, regente da Banda Filarmónica de Paredes e frequentou, depois, o Conservatório de Música do Porto e a Academia Mozart do Porto, obtendo a carteira profissional de Chefe de Orquestra. Concluído o curso na Escola Normal do Porto, em 1919, fundou e dirigiu vários grupos corais escolares e amadores: Orfeão Infantil do Porto, Orfeão “Castro Araújo” de Lordelo de Paredes, orfeão da Escola Oliveira Martins (1934 e 1937), Coral Infantil do Porto (apresentou-se em 1935 e 1936, com alunos das Escolas oficiais desta cidade, num total de 1600 vozes), Coral Polifónico do Porto, coro Pequenas Cantoras do Postigo do Sol, grupo que se transformará nas Pequenas Cantoras de Portugal, Orfeão da Covilhã e Coro Etnográfico da Covilhã. Dirigiu ainda os orfeões do Porto e de Matosinhos. Durante onze anos trabalhou para a Mocidade Portuguesa, integrando, postumamente, o Quadro de Mérito da Organização. Foi um dos fundadores e diretor da Academia de Música da Covilhã, desde a sua fundação, em 1959. Compôs obras e harmonizou música de matriz rural. Foi também, autor de colectâneas de repertório para canto coral. Vergílio Pereira interveio na sociedade local ao militar pela alfabetização dos seus elementos e ao promover para as mulheres sociabilidades que até aí lhes estavam vedadas. A sua acção em prol da alfabetização dos elementos do Orfeão inseriu-se no “combate” pela cidadania (Nóvoa 2007, 59). Republicano convicto, viu na prática coral um meio de contribuir para a mobilidade e progresso social, tendo sido crítico em relação às políticas educativas no domínio do ensino de música coral, durante o Estado Novo.
Em 1947, ingressou na Comissão de Etnografia e História da Junta de Província do Douro Litoral (1936-59), sob cujo patrocínio desenvolveu um levantamento extensivo de música de matriz rural nos concelhos de Cinfães (1947), Resende (1948), Arouca (1953-55) e Santo Tirso (1958). Desses levantamentos foram publicados o Cancioneiro de Cinfães (1950), Cancioneiro de Resende (1957), Cancioneiro de Arouca (1959) e permanecem inéditos o Cancioneiro de Santo Tirso (constituído por 84 transcrições musicais e poéticas) e os registos sonoros efetuados nos concelhos de Arouca (156 registos cujo paradeiro atual se desconhece) e Santo Tirso (84 registos sonoros). Vergílio Pereira foi um elemento chave na consecução do “plano artístico e científico” da Comissão de Etnografia e História do Douro Litoral, ao lado de figuras como Bertino Daciano Guimarães e Rebelo Bonito. Os levantamentos de música de matriz rural efetuados por Vergílio Pereira antes de 1947 foram decorrentes da atividade coral, da necessidade de constituir repertório e de o legitimar com consensuais referentes ao povo português. Por iniciativa própria, procedeu, ainda, na década de cinquenta, ao levantamento de práticas musicais na região raiana do norte do país, com transcrição musical e poética, da qual resultou a publicação de “Corais Geresianos. Subsídios para o Cancioneiro Raiano” (1957) e de “Corais Mirandeses. Novos subsídios para o cancioneiro Raiano II” (1959). A obra Corais Cinfanenses, publicada postumamente em 1972, reúne um conjunto de seis cramóis e quarenta e quatro cantas “reintegradas”, ou seja, transformadas em cramóis pelo autor.
Entre 1961 e 1963, realizou trabalhos de “prospeção folclórica” para a Comissão de Etno-musicologia da Fundação Calouste Gulbenkian. Nesse âmbito, coligiu um conjunto ímpar de dados (registos sonoros, transcrições musicais e poéticas, fotografias, elementos relativos aos informantes, entre outros). Relativamente aos registos sonoros, efetuou: em 1961, nos concelhos de Baião, Felgueiras e Santo Tirso, da província do Douro Litoral, 519; entre 1961-1962, na Beira Baixa (em todos os concelhos), 908; e, no distrito da Guarda, Beira Alta (igualmente em todos os concelhos), 300. Parte significativa do espólio de Vergílio Pereira foi doada ao Estado em 1981, ficando sob a responsabilidade do Departamento de Musicologia do *Instituto Português do Património Cultural, tendo posteriormente passado para o Museu Nacional de Etnologia, [VER Arquivos, Bibliotecas e Museus, 47. Museu Nacional de Etnologia]. Contém 46 bobines gravadas, cadernos de apontamentos, correspondência, transcrições musicais e poéticas, mapas das zonas de recolha e fotografias dos informantes. Inclui também uma coleção de programas de concertos realizados por coros que dirigiu e correspondência.
Enquanto etnógrafo musical, entre 1947 e 1963, V. Pereira distinguiu-se por ter procedido ao levantamento (registo escrito e sonoro) extensivo do território (à escala da freguesia e, por vezes, da localidade), por ter dado preferência a géneros musicais relativos a contextos de trabalho e religioso, por eleger práticas polifónicas (nomeadamente, cramóis, cantas, cantaraços, cantaréus e cantarolas) e informantes femininas e por inscrever sistematicamente dados relativos aos informantes nas suas fichas de registos de dados.
Delegado dos Concertos Ritmo de Madrid e da sua Revista Musical, foi membro correspondente, em Portugal, da Federação Musical Francesa, tendo, ainda, colaborado na imprensa diária e em várias publicações periódicas.
Assinou, nos anos cinquenta, estudos de teor musicológico que publicou nos periódicos nortenhos Diário de Norte e O Tripeiro.
Referências bibliográficas
Bonito, Rebelo (1963) “Alguns aspectos da música popular portuguesa”, Actas do I Congresso de Etnografia e Folclore: 77-87
Giga, Idalete (1989) “O espólio etnomusicológico de Vergílio Pereira”, BAPEM 62: 51-53.
Nóvoa, António. 2007. E vid ente mente. Histórias da Educação. Porto: Edições ASA.
Pestana, Maria do Rosário. 2005. “Vergílio Pereira na Beira Alta: passos de uma etnografia musical crítica”. Beira Alta. Vol. LXIV, fasc. 1 e 2: 203-220.
Pestana, Maria do Rosário. 2008. “A música na construção do Douro Litoral: colecção, estudo e divulgação de práticas polifónicas de música da tradição oral em Portugal (1947-1959)” Etno-folk. Revista galega de etnomusicoloxia. Baiona: Dos Acordes (Salwa El-Shawan Castelo-Branco e Susana Moreno Fernández, coords.). Ano IV, Vol. 1, nº 12: 31-54.
Pestana, Maria do Rosário. 2009.. “O Museu de Etnografia e História do Douro Litoral: etnografia e museologia na construção do Douro Litoral”. Trabalhos de Antropologia e Etnologia. Vol 49 (1-4): 79-92).
Pestana, Maria do Rosário e Giga, Idalete (2010) “Vergílio Pereira” Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX. (coord. Salwa Castelo-Branco). Linda-a-Velha: Círculo de Leitores.
Autora: Maria do Rosário Pestana