Referência bibliográfica: Dias, António (1943). “O Primeiro Orfeão Popular Português” Diário de Coimbra. Ano XIII, nº 4317, pp. 1 e 2 (26 de Março).
Biografia de Luís Stokler: Luís Pinto de Albuquerque Stokler, fundador em Seia do Orpheon 1º de Setembro, em 1895, reorganizou o Orfeon Académico de Coimbra, em 1899, para participar no Centenário da Sebenta, entre 28 e 30 de Abril de 1899, numa paródia aos inúmeros centenários comemorados nessa década (de Camões, Marquês de Pombal, Santo António, Infante D. Henrique, Almeida Garrett). O orfeão foi “regido pelo elegante Luis de Albuquerque Stockler, também talentoso artista, mas cábula e boémio de inexcedível categoria, o que não o impediu de vir a formar-se em Direito e de boa conta ter dado dos seus merecimentos profissionais e intelectuais. Representou-se o Auto da Sebenta, de Afonso Lopes Vieira, e o Orfeon, além dalgumas canções, cantou o Hino da Sebenta, musicado por Stockler" (Soares 1955).
Fontes: Marques, Rui (2014). “A magia da arte – música, cidadania e filantropia. O caso do Orfeon Académico de Coimbra (1908-1912)” VI Jornadas de Estudiantes de Musicología y Jóvenes Musicólogos. Barcelona: Escola Superior de Música de Catalunya Soares, A. J. [1955] Exposição evocativa da vida do Orfeon Académico de Coimbra. Coimbra: s.e
Transcrição da notícia:
"O primeiro orfeão que existiu em Portugal, foi o Académico, fundou-o João Arroio, em 19 de Outubro de 1880 e viveu até 1882.
O primeiro grupo coral popular, fundou-o Luís Pinto de Albuquerque no ano de 1895, na vila de Seia. Músico inspirado e poeta, o moço académico que em Coimbra havia dirigido o Orfeão da Sebenta, autor do seu hino cujo ‘refrain’ era o de uma canção popular da época que a plateia entoava, foi delirantemente aplaudido e, ao findar do espectáculo, o nosso conterrâneo, foi coberto de flôres. E quási sempre que na Academia havia récitas a música era de Luís de Albuquerque, como aconteceu em uma ‘Véspera de Feriado’.
Em férias, em Seia, jámais o piano e o órgão sossegavam e a sua voz de barítono ouvia-se quási ininterruptamente nas imediações da ‘Casa das Obras’ nas grandes óperas e noutras músicas dos melhores autores. Aos domingos, á missa, na capela da Padroeira do Morgadio, o órgão acompanhava a oração. Essa linda imagem da Senhora das Preces que assistiu a milagres como o das Bodas de Canaan, parecia viver, agitar-se, agitar-se no eflúvio das orações dos crentes, nos meses de Maio em que no pequenino templo todo florido, cheio de povo e no côro da gente grada, se fazia o Mês de Maria.
E nunca mais se fez a devoção com tanta pompa e fé como aquela a que o grupo dos cantores era formado por os senhores da casa sob a regência de luís de Albuquerque. A música e a letra eram suas e também do inspirado poeta dr. António de Albuquerque. Já poucos sabem a sua ‘Avé maria’ que tantas vezes encheu o templo de Nossa Senhora da Assunção. O dr. Luís Pinto era ao mesmo tempo o mestre do povo, aquele que, seguindo as tradições da família, o ensinava a cantar. A primeira festa em que tomou parte o grupo coral por si ensaiado foi em honra de Francisco Saraiva Ribeiro.
Foi muito grande o fervor da gente daqueles tempos que não era época de anões de espírito e por isso foram procurados na literatura, versos heroicos para serem ofertados que bem o mereceu. Julio Deniz escreveu as rimas que foram aproveitadas para a dedicatória a um iluste senense e nunca êle pensou que se seus inspirados versos assim viriam a ser sentidos pelos amadores de música, no sarau da noite de 1 de Setembro de 1895.
‘Oh Mãi dá-me uma espada
Oiço da Pátria a Voz
Ei-la imaculada
Era a de teus avós’
Honrada espada, herança de tantos séculos de grandes e eternos feitos de imortais glórias. E se a frase não tinha cabimento porque o laureado não havia estado nas pugnas sangrentas soube guardar com honra essa espada e venerou-a como relíquia de raro valor, pois tanto bem fez e tanto amou a sua terra que lhe foi berço que se pode dizer que por ela morreu:
Francisco Saraiva podia bem exclamar como heroi do poeta.
‘Para a trazer voltando
Se não morrer ali’
E ali morreu sendo bom sendo maior de tantos homens de rero talento.
‘Vai, diz a Mãi chorando
Eu rezarei por ti’.
E a oração é ainda a mesma, feira das saudades que sentimos e que vive na espiritualidade da paisagem.
A fôlha de papel precioso documento que contém uma oração também fermente e uma consagração, á virtude ao civismo do homem ilustre e bom, ei-la:
‘Ao cidadão honrado e benemérito, ao raro exemplar de amigo da Pátria a Francisco Saraiva da Costa Ribeiro dignissimo presidente da comissão das grandes obras do tunel da Serra da Estrela significam com entusiasmo febril que lhes escalda o sangue a mais sincera simpatia e a mais profunda admiração. E para melhor sentir eis os nomes dos signatários alguns já partiram para o mundo das saudades:
Guilhermina Alice do Couto Tavares Segurão, D. Esther Adelaide do Couto Tavares Segurã, Luís Pinto de Albuquerque, António Pinto de Albuquerque, José Pinto de Albuquerque, Fernando Pinto de Albuquerque, Francisco Pinto de Albuquerque, Alvaro Filol, Joaquim Augusto de Oliveira Santos, António Mendes Diniz Fragoso Belem, Joaquim Fernandes da Cunha, Adriano de Almeida Melo e António de Almeida Melo.
A sentida homenagem tem a embelezá-la um laço de côr da antiga bandeira nacional.
Vão já decorridos muitos anos depois daquela solenidade em que Francisco Saraiva foi coroado numa festa cheia de imponência, com a corôa de louros da vitória pelo bem.
Quando nas salas do Tribunal, na presença de toda a fidalguia, com a assistência dos representantes do povo, o herói foi coroado à maneira romana. O momento foi deslumbrante e enternecedora a cerimónia. E a vaidade não o tocou, porque era simples como são sempre os bons e os leais caracteres.
No concêrto cantou o orfeão, sob a magistral regência do dr. Luiz Pinto, o Hino à Beira e uma Avé-Maria, versos de muita inspiração do saudoso dr. António Pinto d’Albuquerque.
Houve recitativos vários e um dêles merece especial menção, por ser uma joia literária, pois nunca vi melhor descrever a caridade, como o poeta ignorado que citei.
Andam por aí os seus versos, muitos já se perderam e penso que todos reunidos em volume dariam decerto um lindo e perfumado ramo de flôres.
No dia 11 de Abril, depois do seu triunfo, Francisco Saraiva foi a enterrar com o pranto de Seia.
Foi um visionário o sábio farmacêutico, sempre elogiado pelas suas descobertas e até premiado numa exposição a que concorreu com remédios da sua invenção, tendo recebido a honrosa menção assinada pelo príncipe D. Fernando.
O grande tunel, obra gisada como um notável empreendimento o absorveu e dessa luta de que a sua tenacidade parecia sair vencedora, tão sómente o venceu, dando-lhe a doença que o vitimou.
No verão o Sol escaldante abraza os campos da várzea inteira de Seia. O Alva corre lá em cima escondido apenas por um monte, era preciso romper o obstáculo e trazer as ºaguas do rio da lenda, das palhetas de oiro e Francisco Saraiva reuniu Seia á sua volta e a obra começou.
Para tanto faltava o dinheiro, mas p o povo fanatisado pela ideia, ocorria às festas e entregava o que lhe pediam. Faziam-se quermesses e eram as senhoras da melhor sociedade a servir esse povo, a misturar-se com êle sem que descessem da sua categoria, antes o respeito era tanto e maior que algumas delas que morreram, o povo as santificou
Digam-lhe que não é milagre permanecer um cadáver incorrupto, como êle teve ocasião de vêr o da Viscondessa de Valongo que êle se revoltará. D. Maria Joana d’Albuquerque, figura gentil de fidalga, a que nunca despediu um pobre sem que êle levasse a esmola, a sua maior alegria era vêr-se com o povo que tanto a amou, sacrificando-lhe até o necessário.
Foi ela a alma da rica quermesse.
Quando o túnel estava principiado, Seia lá foi como em romaria, levando a filarmónica para que tanta alegria enchesse montes e vales.
Em breve o grande túnel tinha 200 metros para dentro da montanha e foi só então que parou por ter dado em rocha. Mas a rocha rompia-se, o que porém era mais duro de romper, era a política que então, manhosa como sempre, lançou o desânimo nas hostes do bem e os homens foram tombando um a um, os mais decididos, até que numa data que um cruzeiro tem gravada na base ao toque dos sinos, aos retralejar de foguetes com música e graças ao Céu, a água cristalina, vinda de entre serras, caía em caudal pelos comoros duma terra vizinha.
O nosso grande túnel ficou sendo apenas uma ferida na montanha que não deita sangue, casa de lôbos e uma desilusão mais para os da Vista Bela.
As obrigações que tantos adquiriram com sacrifício, adam por aí e se outro juro não vencessem que não vencem do vil metal, elas devem ser arriscadas com carinho, porque um juro espiritual vencem, o da saudade dos homens ilustres que nêstes tempos de penúria de carácter tanta falta nos fazem.
Virão outros um dia como Messias? É certo que a história se repete.
Em 23 de janeiro de 1843, tinha nascido o homem que tanto amou a sua terra. A Câmara de então, soube consagrar a memória do homem probo, digno e prestavel... a qual se devem serviços importantes,
A comissão para o abastecimento de águas tinha-se instalado em 16 de Agosto de 1984. A Raínha D. Amélia contribuiu para esta obra com 50.000 rs. O orfeão que depois se ficou a chamar de 1 de Setembro em comemoração da data festiva fez sucesso. Nele se juntavam, os mais ricos com os humildes e dentre eles destacaram-se, diz o Cenense, a Alexandrina, que com a sua voz bem timbrada delirou o auditório, a Anunciação da mesma maneira na canção Violetas e no Vira. Os cantores mereceram aplausos. A orquestra executou música clássica, bem como ao piano o D. Guilhermino e D. Ester Segurão executaram músicas de Chopin, Liszt e Mendelshon.
Em 6 de Novembro já a quermesse havia rendido 500.000 rs.
Era formada a Comissão pelos seguintes senenses:
Presidente, Francisco Saraiva da Costa Ribeiro; tesoureiro, António da Silva; vogais, Joaquim Cardoso Camelo; António Miranda Monteiro, António Simões Ferreira e José Henriques Júnior.
O sarau rendeu 41.080 rs.
Em Maio de 1896 D. Maria Emília Pinto Stockler, António Maria Brandão e José Henriques Júnior assinavam as escrituras de cedência de terrenos para as levadas”.