Na obra As modernas ideias na literatura portuguesa, publicada em 1892, Teófilo Braga enumerou o título de algumas das canções acompanhadas à viola por João de Deus, em vários locais da cidade de Coimbra (Braga 1892, 20-22).
Transcrição: "Espontaneamente achava-se João de Deus formulando uma clara systematisação psychologica: do estado de objectividade concreta do animal; da reacção subjectiva da consciencia do homem sobre a realidade; e da transformação da realidade em uma apparencia ideal pela emotividade do poeta. Vê-se que elle comprehendia a missão synthetica do poeta; talvez por isso ainda em 1855 não revelára a altissima vocação. No emtanto, a sympathia com que o cerceava a geração academica era um reconhecimento do seu poder artistico; o João era o typo lendario, de que se fallava com encanto, de quem se contava as excentricidades de contemplativo. E quando elle fazia retinir no largo da Feira em vespera de feriado a banza gemente, acudiam os grupos, envolviam-no, e iam todos levados para o Penedo da Saudade, para a Fonte do Castanheiro, ao som das melodias populares do Choradinho, do Ladrão, ladrão, do Fado da Severa e Agua leva o regadinho, recordando as feições tradicionais de cada provincia. A viola de arame, dominava-a tanto como o José Doria. Este medico, bella figura de peninsular, assombrava todos com as suas variações na viola sobre o Fado de Coimbra; o prestidigitador Hermann, que fôra a Coimbra em 1859, ficou maravilhado com o desconhecido instrumento e com o tocador. Joaquim de Vasconcellos, na enthusiastica biographia de José Doria, descreve esses extraordinarios effeitos: "A canção popular, tristemente monotona, transformava-se em queixa plangente, passava de repente á agitação febril, acalmava, permanecia serena por algum tempo, continuava assim em languido abandono, recrudescia novamente, abrandava e subia ainda do pianissimo mais suave, de um suspirar imperceptivel até á furia desenfreada, desencadeando-se por corridas e arpejos phantasticos que iam terminar em um ultimo suspiro. — A canção popular apparecia simples, sem enfeite nem adorno; depois vinha a primeira variante, a segunda, a terceira, quarta, quinta, sexta, decima, vigesima; no fim, já sem numero, em jôrro continuo e inesgotavel". Depois de José Doria, para que João de Deus fosse ouvido na viola com enquanto, é porque elle dispounha de pasmosas faculdades de expressão musical; essas melodias eram sempre acompanhadas da letra tradicional ou improvisada" (Braga 1892, 20-22).
Referência: Braga, Theophilo. 1892. As modernas ideias na literatura portuguesa. Vol. II. Porto: Livraria Internacional de Ernesto Chardron, Casa Editora; Lugan & Genelioux, Successores.