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Joaquim da Costa Chicória

O compositor Joaquim da Costa Chicória nasceu em 25 de Dezembro de 1875 no lugar da Ponte Nova. Filho de pai alfaiate e mãe costureira a sua vida profissional iria ser condicionada à de alfaiate como os irmãos. No entanto, na sua sensibilidade e vocação, um apelo forte o chamava para outros voos que só não foram mais longe porque nasceu na terra errada. A arte dos sons dominava-o e abria-lhe mundos de melodias que ele deixou registados em magistrais obras.
Na sua atribulada vida profissional, ele só via música; e as agulhas e alinhavos eram coisa para os irmãos que não poucas vezes lhe atiravam pelo ar o ferro de brunir e o ameaçavam de pancadaria. E por isso nasceu a composição de “Os Bandidos” numa ironia cáustica aos irmãos mas logo mudada para “Ver, Ouvir e Calar” quando eles descobriram que “ Os Bandidos” eram eles.
Casou aos 22 anos e do casamento nasceram 20 filhos dos quais se vingaram apenas nove.
A nível de ambiente familiar, o acolhimento nunca foi por aí além. A tal ponto que ele, parece que já viúvo da primeira mulher, compôs a peça “ O Abandonado”. E saiu de Vizela, andando por Lousada, Paredes, Freamunde, Penafiel, Felgueiras, Bragança, deixando músicas por onde passava.
De uma criatividade muito fecunda, tudo lhe servia de mote de inspiração. No entanto, foi na Lameira, no rio Vizela e no parque, e no Jardim, que encontrou a inspiração mais feliz da qual saíram belíssimas peças, algumas de muito difícil execução.
Na Praça da República brotaram-lhe de modo especial as marchas e as rapsódias. Numa e noutra expressão, sempre que havia “combates” a banda do Chicória era o terror das concorrentes. Intitularam-no de “ o rei das marchas”. Inspirado no jardim, nasceu a peça assim mesmo intitulada – “ No Jardim” – que a Sociedade Filarmónica Vizelense gravou no CD "Chicória", lançado em 2007. Inspirado no parque e no rio, nasceu a peça belíssima e de difícil execução “Murmúrios do Vizela”.
A sua vida familiar foi de muita privação e de sofrimento onde a morte de tantos filhos e a doença da mulher lhe terão condicionado as composições alegres. Por isso, da sua música, brota a nostalgia, a saudade, até resquícios de dor.
Segundo o maestro Ribeiro da Silva e o Costa Vieira, as suas músicas eram inconfundíveis e únicas. Tanto um como outro, são categóricos em afirmar que, mesmo ouvindo-se ao longe, logo os conhecidos diziam: são músicas do compositor Chicória. Nelas, e segundo Ribeiro da Silva, havia a particularidade do recurso aos bemóis os quais dão às músicas uma tonalidade suave, doce, ao contrário da agressividade dos sustenidos. Quase sempre, nos cinco, seis bemóis.
Desta sua sensibilidade surgiram peças sacras. Das dezenove conhecidas, uma missa que foi um sucesso e cantada em Singeverga; um Ave-Verum que, parece, chegou a ser cantado em S. Miguel; Glória ao Altíssimo, ”Janua Coeli” e “Jesus de Nazaré”. Neste contexto, ainda ordinários e a célebre marcha fúnebre “Descanse em Paz”, que ainda hoje se toca.
Um seu amigo, numa festa de aniversário, disse isto do compositor Chicória, comparando-o a Beethoven, Schubert, Grieg e Hayden: Chicória vive simplesmente, esquecido dos Vizelenses… Nas suas magníficas obras, existe sempre uma acentuada inclinação para os tons menores, parecendo adivinhar-se, será até o justo termo, em cada compasso um grito doloroso de um grande e longínquo amor perdido ou a mágoa sentida e reconhecida da ingratidão dos seus conterrâneos.
Não obstante, a sua inspiração também deu para a composição de “As Duas Loucas” numa alusão irónica e de alguma saudade e amizade profunda, a duas irmãs espanholas , hóspedes do Hotel Vizelense e que por ele se haviam apaixonado parece que mesmo até à loucura.
Depois de uma vida atribulada e incompreendida; depois de tanta composição feita e alguma tocada na Rússia, Brasil, Alemanha, Espanha e Inglaterra e até segundo outros na América do Norte, de novo em Vizela, em 23 de março de 1951, aos 75 anos, falecia este magistral compositor. Desconhecido. Ignorado.
Com Vizela alheia ao inestimável valor que perdia. Sepultado no dia seguinte, no cemitério de S. Miguel onde já nem a sua campa existe, a banda velha, no acompanhamento , tocou a marcha fúnebre “Descanse em Paz”. Quando o corpo descia à terra, foi dos músicos tal a emoção que a banda “caiu”, isto é, não se aguentou a tocar a marcha fúnebre. E só um deles, o célebre Tião , com as lágrimas a correrem-lhe pelo rosto abaixo, se aguentou firme, tocando o seu saxofone.
Da sua morte, publicou o Notícias de Guimarães no dia 1 de Abril de 1951, uma tocante elegia de que respigamos: ”o compositor partiu mas a sua obra ficou para nunca mais morrer… Verdadeiro revolucionário da música profana, mas não esquecendo os sons sacros, ele foi grande nas rapsódias que sempre foram o terror dos grandes combates das bandas daquela região; ele, o simples, o só, o pobrezinho de meios mas rico de cérebro, de talento grande, vivia o seu sonho escrevendo sempre, com a inclinação menor, triste, dolorosamente triste”. Nesta elegia o autor da mesma, já então questionava : “não será da maior justiça dar o seu nome a uma rua da vila a fim de que seja sempre presente entre nós como no fundo da arte está?"
Na referida festa de aniversário, uns dois anos antes da morte do compositor, o então orador afirmou ainda : “mas não é a nós que nos compete fazer uma biografia de tão grande artista. Esse trabalho será um dia escrito."
Minhas senhoras e meus senhores: à memória deste compositor gigante, que deixou mais de 600 obras, apenas a placa em 10 de Maio de 1953 na casa onde faleceu por iniciativa da Direcção de então dos Bombeiros de Vizela. E o seu nome dado a uma rua, só em 1998 isso aconteceu, isto é 47 anos depois da sua morte.
Muito há que dizer deste homem que também foi maestro, coralista e exímio tocador de piano, violino e sobretudo trompete. Fica, porém, esta síntese para que fique, não a fadiga de uma longa intervenção, mas o desejo de mais se conhecer a respeito deste Génio musical Vizelense.
Texto elaborado por Pedro Marquês de Souza, para o encarte do CD "Chicória" e revisado por Antonio Seixas.

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